Um dia destes, estava a olhar pela janela e vi um sujeito, sozinho, parado, no meio de uma pequena mata em frente ao prédio onde vivo, em Lisboa. Esteve parado durante um bocado, depois fez um gesto como quem quer esticar as pernas ou sacudir os sapatos e em seguida fez algo que me apanhou completamente de surpresa: entrou para dentro de uma moita.
Entrou, assim como alguém que entra para dentro de uma tenda. Agachou-se e meteu-se lá para dentro, deitado.
Isto passou-se há cerca de um mês. Depois disso, tornei a vê-lo um par de vezes, sempre pela manhã, sendo que numa dessas vezes, depois de ajeitar o cabelo com as mãos, bebeu de uma garrafa que me pareceu que seria uma garrafa de vinho.
Este sujeito vive naquele arbusto ou melhor, fez daquele arbusto a sua habitação. A sua vida, essa não sei onde a faz, realmente.
Há carradas de gente a dormir pelas ruas de Lisboa. Basta, por exemplo, passar nas arcadas do Terreiro do Paço, bem cedo, para ver algumas dezenas, que desaparecem quando começa a haver mais movimento na zona.
O que este sem-abrigo tem de diferente, na realidade é apenas o facto de ter escolhido o isolamento desta pequena mata, e o facto, algo pitoresco, de dormir dentro de um arbusto.
Dou por mim a pensar do que será feito o dia-a-dia deste homem. Deve viver da mendicidade, ou de arrumar carros, como tanto outros, seguramente. Alguma fonte de rendimento terá.
Com que sonhará, para além da garrafita de vinho, que, felizmente para ele, ainda se arranja barato?
Hoje dei por mim a pensar que este tipo é um post-it. Um post-it humano genial, que diz, a quem o veja, que qualquer um pode acabar assim. Exagero meu, claro. Tenho esta tendência para o melodramático.
A verdade é que cada um de nós não é muito mais que uma peça numa engrenagem, um número num budget da empresa onde trabalha, uma fracção ínfima de um orçamento de estado.
Ele há, de facto, países por essa Europa fora, onde talvez seja difícil, ou pelo menos pouco provável, chegar a este ponto, mas aqui, neste cantinho à beira-mar plantado?
Valha-nos a família e os amigos. Aqueles a sério, que se contam pelos dedos.
E valha-nos ser capazes de rir e manter a boa disposição, aproveitar, ir aproveitando, as coisas boas da vida.