Lembro-me de, quando era miúdo e vivia em Bucelas, haver duas tascas onde, depois de almoço, era habitual ver dois ou três tipos deitados à porta, a apanhar sol.
Deitados a curtir a
bebedeira. Aqui o curtir não tem a ver com a acepção moderna da palavra, mas
sim com o seu sinónimo de ressaca. Suponho que este sinónimo venha da palavra
curtimenta, que é o acto de curtir ou fermentar o mosto na barrica.
Aquilo era tão habitual que era tido como normal. Ninguém perdia muito tempo a meditar sobre as bebedeiras de meia dúzia de tipos cujo dia-a-dia era trabalhar no campo, de manhã, emborrachar-se à hora de almoço e dormir à porta da tasca da parte da tarde.
Imagino que os fins do dia de um tipo destes não deviam ser nada bonito de ser ver… e sei que, nalguns casos, quem realmente sustentava a casa, e o vício da bebida, era a mulher, trabalhando como mulher a dias ou qualquer coisa do género. Vidas duras.
Tudo isto vem a propósito de, há alguns dias, aqui em Lisboa, mais precisamente na zona de Alvalade, perto do Restaurante A Tigela, estar um tipo a dormir, deitado no chão.
O que me chamou a
atenção, e me fez ter a certeza de que estava a dormir e não que tivesse tido
algum AVC ou coisa do género, foi o par de sapatos, muito bem arrumadinhos, “aos
pés da cama”. Afinal, há coisas que não mudaram assim tanto…
Saquei do telemóvel
e fotografei o homem, tinha de o fazer, apesar de sentir o olhar de uma
rapariga que passava e que, muito provavelmente, reprovou o meu acto.
Esse par de sapatos
e o ar tranquilo do homem, transportaram-me para esses tempos de infância em
Bucelas. Essa época em que eu via aqueles tipos a dormir ao Sol, mas queria lá
saber disso!
Eu queria era
brincar e andar de bicicleta. Ou passar uma manhã empoleirado numa nespereira a
comer nêsperas! E sonhava acordado em ser astronauta.
Mal sabia eu que, um dia, aquilo tudo iriam ser pouco mais que distantes recordações, apesar de Lisboa ser tão perto.
E com esta conversa toda, deu-me vontade de ir abrir uma garrafa de vinho e “buer” um copo…