Sonho de uma noite de verão

O ano é 2034. Decorre a décima segunda intervenção do FMI em Portugal e passaram meia dúzia de anos após a conclusão de uma extensa investigação conjunta da PJ, da Interpol e da CIA, que levou à queda do Governo e ao encerramento de 230 Fundações e 154 Institutos Públicos.
Passou também à história o esquema das famosas Parcerias Público-Privadas e tornaram-se ilegais as adjudicações directas no sector público.
Ainda na sequência dessa investigação, foi desmantelada uma vasta rede de tráficos de influências e de esquemas de branqueamento de capitais através de offshores, após o que, o ex-Primeiro Ministro e também ex-Presidente da República (!), viu todos os seus bens arrestados.
Libertado, por razões humanitárias, após cumprir dois anos de pena, fomos encontrá-lo na Av.da Liberdade.
– Eng. Sócrates, como se sente, a viver desta maneira, tão diferente daquela a que estava habituado, durante os seus anos no poder?
– Desculpe mas não compreendo a sua pergunta. Eu sinto-me como sempre senti. Repare, eu morava na Rua Castilho e tinha um Mercedes. É verdade. E então?… Agora moro na Avenida da Liberdade e durmo paredes meias com um Porsche. Diga-me: qual é a diferença?!…

À conversa à porta d’A Ginginha

Ia começar a beber uma ginginha com elas, à porta da Ginginha do Rossio, quando ouvi, quase num murmúrio, “Pode dar-me uma ajudinha?”

O homem, de chapéu na mão e encostado à parede, do outro lado da porta, não tornou a repetir.

Nisto, apareceu a miúda romena que anda por ali a vender pensos, a pedinchar “Umá móeda pro favor…”

Acenei-lhe que não e, entretanto, o homem enxotou-a, antes que ela tivesse tempo para me tentar cravar a segunda vez: “Já não bastavam os portugueses, agora ainda vêm para cá estas!…”.

Quando acabei a ginginha, comi as ginjas que esperavam no fundo do copo e puxei de uma moeda para dar ao homem.

Contei-lhe que uma vez tinha dito que não tinha dinheiro à tal miúda que vende pensos e que ela me tinha rogado sei lá quantas pragas em romeno!

Diz-me ele: Esta e mais a outra, a mais alta… são carteiristas! Já por duas vezes que chegam aqui, encostam-se aos clientes e enquanto uma pede, a outra mete a mão… e lá se vai o telemóvel.

Contei-lhe ainda que, há umas semanas, aquela que tinha estado ali me tinha vindo cravar e eu lhe tinha proposto 1 euro em troca de me deixar tirar-lhe uma foto. Primeiro fez que não percebia e depois, quando me viu a sacar da máquina, pôs-se a andar e foi ter com a outra colega. Quando dei por isso, já iam por aí fora quase no topo da rua – e apontei para a Calçada do Garcia.

– Pois, elas vivem lá para cima. Sabe, elas não podem deixar-se fotografar. Nem podem estar à conversa. Ao todo, são aí umas oito e trabalham todas para o mesmo tipo. Andam para aí o dia todo a pedir e a roubar e se chegam a casa com menos que uma certa quantia – não sei quanto é, para aí uns vinte cinco euros – ainda levam porrada do gajo!
– Pode-se dizer que têm um incentivo fortíssimo!…
– Ah, pois têm…
Perguntei-lhe como se chamava e se também morava por ali.
– Chamo-me José Pinto. Quando há dinheiro, durmo na Pensão Estrela. Quando não há… tenho de dormir na rua.
– Este Inverno deve ter sido complicado não? Houve para aí umas noites bem frias!..
– Ah, pois foi…

Falámos um bom bocado. Contou-me que antigamente se safava bem, quando podia arrumar carros, mas depois teve um AVC e já não aguentava, e então teve de ir para ali pedir.
Antes disso tudo, foi dono de uma churrasqueira, em Casal de Cambra, perto de Caneças. Comentei que nunca se pode tomar nada por garantido.

O Sr. José Pinto disse-me que o problema foi que, a dada altura, meteu lá a trabalhar o filho, “que se metia nas drogas”, mais a mulher, e, quando deu por isso, já lhe tinham “apertado o nó da gravata”!

A vida dá muitas voltas e histórias com droga à mistura, raramente acabam bem, pensei. Por isso, dei-lhe mais uma moeda, despedi-me e desejei-lhe boa sorte.

Um painel menos conhecido de Júlio Pomar e Alice Jorge

Quem passa na Rua do Açúcar, em Lisboa, chegado ao Nº86, vê um edifício (da década de 40, se não estou em erro) que é actualmente a sede da Sociedade Geral de Projectos Imobiliários e Serviços Sgps SA.
A fachada deste edifício ostenta um interessante painel de azulejo, que descobri ser da autoria de Júlio Pomar e Alice Jorge. Este painel, do qual apresento um detalhe, é inspirado nas actividades do porto de Lisboa.

 

É um painel muito bonito e está em óptimo estado de conservação, ao contrário dos mais conhecidos painéis da Av. Infante Santo, dos quais fui buscar uma foto ao blog “Do Porto e não só”.

 

 

Voltando ao painel na Rua do Açúcar, é pena que um arbusto mal podado esconda parcialmente o painel. É caso para dizer que o jardineiro de serviço não percebe da poda!

Tive de entrar e contornar o arbusto para poder ver a outra perspectiva do painel que mostro aqui.

Espero que os responsáveis pela Manutenção deste edifício remedeiem esta situação pois este painel de azulejos é património de Lisboa que deve ser dado a disfrutar a todos.

A (pouca) nobreza de Nobre

Desiludido. Foi como fiquei, quando vi Passos Coelho apresentar Nobre como candidato à Presidência da Assembleia da República.
Desiludido porque, apesar da legião de fãs que Nobre angariou, à custa da sua imagem de médico honesto e benfeitor – ele que até é Presidente da AMI, uma Organização Não Governamental (ONG) portuguesa, privada, independente, apolítica e sem fins lucrativos”, tal como aparece no site da AMI, – eu, em Nobre, infelizmente, não consigo ver nada disso.
Quando Fernando Nobre se apresentou como candidato às Presidenciais 2011, chamaram-me a atenção para isto:  
Organograma da AMI
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
Presidente: Fernando Nobre
Vice-Presidente: Leonor Nobre 
[…] Secretária-Geral: Luísa Nemésio (esposa de F.Nobre)
Vogais: Carlos Nobre, José Luís Nobre, […]
DIRECÇÃO GERAL
Director Geral: Fernando Nobre / Assessora: Isabel Nobre (!)
Administrativo: Carlos Nobre , Alice Nobre
Logístico Nacional: […] José L. Nobre
Nobre, Nobre, Nobre… caramba, o Fernando Nobre tem lá na AMI toda a família. Bom, ou são todos ricos ou começo a desconfiar daquela parte do “sem fins lucrativos” da AMI!…
Se pensam que este organograma é inventado, podem ver no site da AMI!
É por causa deste maldito organograma que tudo o que vejo em Nobre é um tipo no qual confio tanto como em qualquer um dessa corja de políticos que nos vêm (des)governando durante a última década.

E é por causa disto que me sinto desiludido com esta escolha de Passos Coelho. Porque soa-me a mais do mesmo; a farinha do mesmo saco. Claro que também contribui para isso lembrar-me que Mário Soares apoiou este candidato…
Se ele chega a Presidente da Assembleia da República, não tarda nada e começo a ver nomeações de Nobres parentes para cargos de Assessores e Adjuntos a aparecer no Diário da República…

…querem apostar?

Para acabar de vez com o email corrente que promete que lhe vão pagar por cada email enviado

Aqui há uns tempos, recebi um daqueles emails que me prometia que a AOL me iria pagar 245 Euros (não faziam a coisa por menos), por cada vez que aquele email fosse reenviado. Pois…
Como se isso não bastasse, ainda recebia pelos emails que os meus destinatários recebessem!…
Decidi elucidar quem me enviou com este email, dando também conhecimento aos inúmeros destinatários a quem tinha sido enviado. Partilho agora convosco esse email, para que o possam utilizar, sempre que necessitem.

Caríssimo Carlos,

Em Maio de 2009, expliquei-lhe porque não se deve acreditar nisto. Vou enviar de novo, para que todos possam refrescar a memória…

Antes de lhe dizer porque é que esta história falsa, deixe-me perguntar-lhe o seguinte: já experimentou dobrar uma folha de papel 10 vezes? Parece fácil mas… se experimentar vai descobrir que é practicamente impossível.

Porquê? Porque para fazer a décima dobragem, passa de 512 para 1.024 camadas de papel!…

Fascinante é que as lâminas dos sabres japoneses são feitas exactamente desta forma, a partir de um bloco de aço.

As dobragem: 1, 2, 3, 4, 5,  6, 7, 8, 9, 10 originam as seguintes camadas: 2, 4, 8,16, 32, 64,128, 256, 512, 1.024
Isto é o que resulta de uma progressão geométrica (que até evolui devagar, porque o factor multiplicativo é baixo).

Agora repare no que acontece quando usamos um factor mais elevado, digamos, 10, para simular o número de pessoas a quem “repassa” este email e os seguintes a quem cada um deses 10 “repassa” posteriormente: 10, 100, 1.000, 10.000, 100.000, 1.000.000, 10.000.000, 100.000.000, 1.000.000.000, 10.000.000.000

Se agora multiplicar este número de pessoas pelo tal valor dos 245 euros, isso significa que ao fim de APENAS 10 “repassagens” a Microsoft teria já de pagar…

2.450 + 24.500 + 245.000 + 2.450.000 + 24.500.000 + 245.000.000  + 2.450.000.000 + 24.500.000.000 + 245.000.000.000 + 2.450.000.000.000 = 2.722.222.221.950 Euros

Para que veja bem a dimensão deste número… isto são 546.736.555.501 “contos”!!! (para castigo, o Carlos devia ser obrigado a escrever este número por extenso…). Agora uma perguntinha: acha mesmo que alguma empresa no Mundo tem dimensão para suportar este tipo de encargos??? Só se for uma empresa do Vale e Azevedo!…

Sobre as progressões geométricas existe uma história engraçada sobre a criação do jogo do Xadrez. Deixo-lhe a versão sacada do wikipedia:

Existem diversas mitologias associadas à criação do xadrez, sendo uma das mais famosas aquela que a atribui a um jovem brâmane indiano chamado Lahur Sessa. Segundo a lenda, contada em “O Homem que Calculava”, do escritor e matemático Malba Tahan, numa província indiana chamada Taligana havia um poderoso rajá que havia perdido o filho em batalha. O rajá estava em constante depressão e passou a descuidar-se de si e do reino.

Certo dia o rajá foi visitado por Sessa, que apresentou ao rajá um tabuleiro com 64 casas brancas e negras com diversas peças que representava a infantaria, a cavalaria, os carros de combate, os condutores de elefantes, o principal vizir e o próprio rajá. Sessa explicou que a prática do jogo daria conforto espiritual ao rajá, que finalmente encontraria a cura para a sua depressão, o que realmente ocorreu.

O rajá, agradecido, insistiu para que Sessa aceitasse uma recompensa por sua invenção e o brâmane pediu simplesmente um grão de trigo para a primeira casa do tabuleiro, dois para a segunda, quatro para a terceira, oito para a quarta e assim sucessivamente até a última casa. Espantado com a modéstia do pedido, o rajá ordenou que fosse pago imediatamente a quantia em grãos que fora pedida.

Depois que foram feitos os cálculos, os sábios do rajá ficaram atónito com o resultado que a quantidade grãos havia atingido, pois, segundo eles, toda a safra do reino durante 2.000 anos não seriam suficientes para cobri-la. Impressionado com a inteligência do brâmane, o rajá o convidou para ser o principal vizir do reino, sendo perdoado por Sessa de sua grande dívida em trigo.

Se ficou curioso sobre o número de grãos, digo-lhe que seriam… 9.223.372.036.854.780.000 grãos de trigo!

Se 10 grãos pesarem 1 grama, esta quantidade corresponde a 922.337.203.685 Toneladas!

Só mais uma pergunta: para além da questão dos montantes envolvidos, como é que acha mesmo que a Microsoft faz esse “seguimento dos reenvios durante 2 semanas”??? Eu respondo: não só isso não é tecnicamente viável como seria uma invasão da privacidade de quem eles controlassem o email!

Espero tê-lo esclarecido e a todos os que antes de si “repassaram” o email.
A propósito, o Pai Natal também não existe, OK?…

O rio Ganges em Lisboa

Sábado de manhã, ainda bastante cedo, num dos lagos do Campo Grande, um indiano lavava discretamente alguma roupa, aproveitando o facto de não haver quase ninguém por ali àquela hora.
Tenho a noção que certamente o fazia por necessidade. Apesar disso, não pude deixar de imaginar que ao fazê-lo, talvez tenha recordado algum momento da sua juventude, lavando a roupa nas águas do Rio Ganges.

O homem dos autógrafos a 10 Euros

Contaram-me há pouco tempo uma cena incrível (incrível pelo caricato da coisa), passada com o Filipe La Féria.
A cena passou-se em Lisboa, já há cerca de dois anos, quando estava em cena no Teatro Politeama a peça “Piaf”.
Uma espectadora aborda o encenador: Sr. La Féria, podia autografar-me o programa?
La Féria pega no programa e diz-lhe: São dez euros…
A espectadora, incrédula disse-lhe apenas: Então deixe estar.
Sai-se então o La Féria, com a sua voz rouca meio esganiçada: Minha querida, nesta vida nada é de graça!…
Entretanto, atrás desta espectadora tinha-se formado uma pequena fila de pessoas que pretendiam também um autógrafo no programa ou no bilhete… fila essa que se desfez de imediato, deixando o La Féria sozinho mais os seus autógrafos a 10 euros.